Meus queridos, é com grande prazer que coloco aqui o 1º capitulo de “Quando Dois Caminhos se Encontram” Esse livro é de um querido amigo Guto Pinto. Eu o conheci em um fórum de mercado financeiro, e hoje tive o privilégio ler uma parte do seu livro.
A Inspiração veio da viagem feita no Caminho de Santiago. Eu vou estar lendo por completo quando terminar eu coloco mais detalhes.
CAPITULO 1
O VENTO QUENTE
O sol castigava. Nenhum dia havia sido mais quente e solitário até então. Augusto ainda não havia cruzado com ninguém. Percorria o trecho entre Estella e Los Arcos. O caminho rasgava o verde. A beleza dos campos era entorpecente. A solidão, mesmo depois de algumas horas, não incomodava. Neste pedaço do "Caminho" , não havia muitas sombras. Os fatores conjugados, beleza, solidão, silêncio, faziam a mente de Augusto, passear pelo presente, mergulhar no passado e até viajar ao futuro.
No presente, pensou em todos os seus, vagou pela saudade que deles sentia, balanceou criteriosamente sua vida, pesou erros e acertos. A balança pendia conforme sua severidade no momento.
No passado, com a velocidade da luz, foi com uma clareza ímpar até sua infância. Vivenciou saudades, desvendou receios, medos, perdoou antigos inimigos e naquele momento, obteve uma paz suprema. Naquele instante, quase vislumbrou Deus. Sentiu uma espécie de recordação muito distante, muito vaga, daquele lugar. De alguma forma lhe parecia familiar. Duvidou estar sentindo aquilo. Achou que seu passado era muito mais antigo do que pudesse imaginar.
Chegou a uma bifurcação, onde um marco de pedra, com uma vieira estilizada, esculpida em relevo, indicava a direção correta a seguir. No marco, havia a inscrição Los Arcos , destino do dia.
Foi ao futuro. Uma cena veio-lhe à mente de uma forma muito rápida e muito estranha. Foi como um insight. Um flash. Piscou e espremeu rapidamente os olhos, como se quisesse limpar a visão. Se viu com sua companheira ali. Tamanho improvável pensamento, que o fez aterrissar abruptamente. Como? Aquilo era a mais impossível das hipóteses. Tinham gostos opostos, idéias e ideais tão opostos que eram como o famoso postulado da física que diz que os opostos se atraem. Jamais estariam juntos ali. - Pelo menos nesta vida - pensou Augusto. A conclusão doeu-lhe a alma romântica. Mas sentiu uma espécie de consolo vindo daquele silêncio. Uma voz lhe soou ao ouvido. Reverberou por sua cabeça e seu coração e o fez estremecer. Foi como um sopro, um cochicho, bem baixinho, de que um dia, passaria por aquelas terras novamente, do jeito mais improvável: com sua mulher. Para isso, seria preciso percorrer o "Caminho" e estar atento ao que ele lhe falaria.
A solidão agora assustava um pouco. Augusto precisava conversar. Dissipar de si o que ocorrera. Precisava falar. Não queria mais ficar circunspecto. Temia que estivesse louco e temia até, sem saber a razão, que sua visão fosse verdadeira. Algoz de sua própria alma, não se achava merecedor.
Lágrimas, filhas de um julgamento cruel, lavaram-lhe a face.
Até que avistou um peregrino bem ao longe. Apertou o passo. Mas notou que se aproximava rápido demais. Muito mais rápido do que o ritmo que havia imposto a si. Percebeu então, que o peregrino caminhava em sua direção. Augusto ficou surpreso. Aproximavam-se rapidamente e o andarilho, aproveitando uma sombra rala, sentou-se.
Logo Augusto o alcançou. Era um senhor. Pele castigada de sol e vincos, roupa farrapenta, barba e cabelos bem grandes e alvos. Não carregava mochila, mas um surrado alforje de couro. A esta altura, já comia uma maçã deseducadamente e continha em sua feição, um ar pra lá de misterioso. Não era exatamente uma figura destas que queria encontrar.
Augusto analisava a estranheza do homem e por um instante se pegou cometendo algo que tanto lutava contra: o julgamento. Na verdade, um pré-julgamento, sumário e por muitas vezes injusto. Talvez ele próprio também fosse muito estranho para o senhor - pensou - e logo se perdoou.
Diminuiu muito o passo até quase parar por completo. Foi interceptado por um chamado do andarilho que lhe correu a espinha. O homem começou a falar sem parar. Disse que percorria o "Caminho" ao contrário e através de lindas metáforas, contou que na vida também muitas vezes fazemos o mesmo. E como foi enriquecedor esse monólogo. De repente, o peregrino olhou fundo nos olhos de Augusto. Olhou com uma força descomunal que quase o intimidou e com uma voz grossa e rouca, carregada de verdade falou:
- Você é o exemplo vivo disso! Percorres o "Caminho" por uma família. Aqui, estás no sentido certo e necessário, mas na vida não.
Augusto estava carregado de espanto e o homem prosseguiu:
- Acertaste no nome, mas erraste na pessoa! Mas continue caminhando, anda! - fez um gesto quase o enxotando dali. E prosseguiu com a voz carregada de verdade: - Precisas achar o sentido certo na sua vida.
Indignação e respeito invadiram Augusto. Aquilo não eram simples palavras. Sabia que eram quase uma revelação, quase uma profecia.
O homem mais uma vez fez o gesto para Augusto se apressar. E assim ele o fez, despedindo-se com um aceno tímido. Apertou o passo. Olhou para trás. Queria gravar bem aquela cena. O velho já cochilava sob a sombra da árvore. Augusto se perguntava até que ponto tudo aquilo seria verdade. Não via meios de mudar sua realidade. Resolveu então não crer em nada daquilo e duvidou do peregrino, do "Caminho", do Universo. Desafiou o cosmos mentalmente a provar a verdade de tudo aquilo, até que um fato muito estranho aconteceu.
Tudo estava tranqüilo. As papoulas e o trigo não se mexiam. Nenhum fio de brisa corria, até que um vento quente soprou. E soprou apenas em torno de Augusto. Tudo continuava parado. O vento, apesar de quente, fez seu corpo se arrepiar. Sentiu uma força, uma espécie de resposta do "Caminho", como se quisesse lhe dizer que estava vivo. Que tinha força e até poder. Sentiu-se quase que intimidado. Por fim, abriu os braços, aceitou aquele calor e entregou-se ao universo.
O vento quente deu um último passeio por todo seu corpo, até que parou por completo de soprar.
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